De crachá no peito, prancheta e questionário em mãos, alunos de escolas municipais de Belo Horizonte, que antes viviam o estigma de estarem velhos demais para a série em que estudam, estão vendo na pesquisa de opinião uma forma de se afastarem dessa imagem de indisciplinados. E não é só. Com o projeto Nepso, Nossa Escola Pesquisa a Sua Opinião, esses meninos e meninas estão se tornando exemplos positivos para os colegas e, para completar, ainda têm aprendido assuntos, que podem ser até bem complexos, de maneira divertida.
É que a pesquisa de opinião, explica Maria da Conceição Fonseca, coordenadora do polo mineiro do Nepso, é um processo complexo, longo e multidisciplinar, que pode durar todo o ano letivo e, por isso, é dividido em várias etapas. Em cada uma delas, os alunos se deparam com desafios diferentes, desde aprender a tabular dados e fazer cruzamentos estatísticos até entender os princípios democráticos. “Quando eles vão escolher o tema, eles precisam entender que se sua escolha não foi a majoritária, ela não será realizada”, afirma a especialista, que também é professora da Faculdade de Educação da UFMG.
Por ser um processo que demanda conhecimentos específicos, os professores das escolas que acolhem o projeto são treinados em polos organizados pelo Instituto Paulo Montenegro, do Ibope, que compartilha material e o know-how acumulado no tema. Esses polos estão espalhados pelo Brasil e em vários países da América Latina, normalmente apoiados localmente por uma universidade ou uma ONG.
O de Minas está ligado à UFMG e leva a experiência não apenas ao Entrelaçando, projeto da capital mineira para crianças e jovens que não estão na série adequada para a idade, mas também para a educação de jovens e adultos e outras turmas regulares de escolas públicas. No caso mineiro, o processo de capacitação dos professores é semanal. Nesses encontros, eles são apresentados à metodologia de uma pesquisa de opinião e a estratégias de como utilizá-la em sala de aula. O aprendizado dos professores vai se aprofundando conforme a pesquisa dos alunos também avança.
De acordo com Maria da Conceição, em sala de aula, o primeiro passo é a escolha do tema, que precisa ser consensual e não pode ser aleatória. “Não é qualquer tipo de assunto que pode ser considerado pesquisa de opinião. Tem que ser um tema que a opinião do outro me ajude a chegar a uma informação.”, afirma. Por isso, exemplifica a especialista, a pesquisa não pode ser apenas sobre música, mas deve ser sobre algo opinativo relacionado à música.
Definido o objeto da pesquisa, começa a segunda etapa: a qualificação do tema. É nessa fase, diz Maria da Conceição, que os alunos vão buscar informações sobre o vão estudar. Aqui, vale entrevistar pessoas da comunidade, procurar informações em bibliotecas, arquivos públicos, internet para entender o que, como e a quem abordar na pesquisa. “Eles precisam se qualificar para elaborar o questionário, para prever alternativas para as perguntas.”
Todo esse processo acaba envolvendo os alunos. No caso dos meninos do Entrelaçando, afirma a professora, eles começam a ver mais sentido nas aulas e a se sentir dispostos para os estudos. “Os alunos começam a se destacar, não porque estão atrasados, mas porque são ‘os meninos que fazem pesquisa’”. Para valorizar o momento, diz Maria da Conceição, quando chega a hora de ir a campo, eles vão com pompa e circunstância: crachá, prancheta, identificação, questionários reproduzidos, ônibus de excursão.
Sobre o efeito que o projeto pode ter entre os alunos, a professora lembra do caso de uma turma que escolheu pesquisar a satisfação dos usuários do zoológico da cidade. Por ser tida como uma classe problemática e indisciplinada, os estudantes nunca nem sequer tinham saído da escola em excursão. Para executar a pesquisa que vinham desenvolvendo, no entanto, eles ganharam o direito de ir ao zoológico aparamentados como pesquisadores. “Pela primeira vez, eles se sentiram valorizados”, lembrou Maria da Conceição.
Com questionários devidamente aplicados, é hora de voltar para a escola para mais uma etapa bem trabalhosa: a tabulação dos dados e a análise dos resultados. Dependendo da infraestrutura da escola, esse processo pode ser informatizado ou não. “Os professores são habilitados para tratar os dados e aplicar os procedimentos de tabulação com os alunos. Dependendo do empenho e da curiosidade que eles têm, elas são capazes de fazer cruzamentos de informação bastante sofisticados”, afirma Maria da Conceição.
Por último, vem a divulgação da pesquisa para a comunidade. Nesse momento, enumera a professora, são várias as possibilidades: publicar no jornal da escola, fazer um mural, preparar uma apresentação para a comunidade. Independentemente de como eles divulguem os resultados para a escola, os alunos do Entrelaçando são também convidados a expor seus achados na universidade no seminário do Nepso “feito gente grande”: “Primeiro tem a apresentação em PowerPoint, que eles têm que respeitar horários; depois, tem uma performance artística. Aí aparece de tudo”, orgulha-se Maria da Conceição. Nesse momento de troca, ganham os alunos que veem exposto o produto de seu esforço e ganha a plateia, normalmente formada por futuros professores, que aprendem como é possível fazer um trabalho bonito com grupos normalmente renegados, afirma a professora.
Lá e cá
O Nepso hoje tem tantas articulações no país e na América Latina que o instituto Paulo Montenegro está experimentando uma pesquisa multipolo internacional. Alunos do colégio de aplicação da federal mineira estão fazendo a mesma pesquisa que estudantes de uma escola chilena. O tema central é namoro. Por enquanto, o projeto ainda está no início e eles estão estruturando, no lado brasileiro e no chileno, a forma como o assunto será pesquisado. Por enquanto, além de perceberem que o namoro é um fenômeno que se apresenta de formas diferentes na sociedade, eles também precisam aprender a se comunicar em outras línguas.